É normal sentir um certo estranhamento quando nos deparamos com consultas de pré-natal realizadas por enfermeiras. Especialmente para mulheres que não fazem acompanhamento no Sistema Único de Saúde (SUS). Isso acontece porque aqui no Brasil é cultural o acompanhamento da gestação e do parto ser centrado na figura do médico. No entanto, se olharmos para países de primeiro mundo, em que as taxas de mortalidade materno e fetal são muito menores que as nossas, veremos que a presença da parteira é muito forte no antes, no durante e no pós-parto. Ter um médico para chamar de seu no Brasil é uma questão de status e isso impacta em todo o cenário do parto normal por aqui.
Parteira urbana
Quando ouvimos falar de parteira prontamente nossa mente nos leva às mulheres que vivem em lugares mais distantes, especialmente na zona rural, as Parteiras de tradição. As chamadas Parteiras Urbanas são enfermeiras obstetras ou obstetrizes, profissionais com formações distintas mas com competência técnica e respaldo do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) para atuar no parto de baixo risco, em hospitais, casas de parto ou em domicílio.
A enfermeira obstetra é uma profissional graduada em enfermagem com especialização em obstetrícia; Já a Obstetriz escolheu como graduação a obstetrícia, curso realizado pela Universidade de São Paulo (USP). Ambas têm a mesma autonomia, e estão aptas a acompanhar pré-natal e atender partos de baixo risco.
No caso do parto domiciliar, as parteiras urbanas possuem total autonomia no atendimento. Nos hospitais, sua autonomia varia de acordo com o protocolo adotado pela instituição. Nos hospitais públicos, em geral, são elas quem conduzem todo o processo e o médico só é acionado em caso de intercorrência. Na rede privada, geralmente são elas quem conduzem o trabalho de parto mas na hora do nascimento quem “pega o bebê” é o médico.
Gravidez não é doença
O princípio que norteia a enfermagem é o cuidado e a orientação, é isso que aprendemos na graduação. A formação dos médicos, por sua vez, é centrada na patologia, na doença: seu papel é intervir pela cura. Partindo dessa informação, não é de se estranhar que as mulheres que chegam pela primeira vez em uma consulta com a Parteira, estranhem. Nosso olhar é voltado para o cuidado, o acompanhamento e a manutenção da saúde; A gestação é olhada como um processo natural, fisiológico, não como doença. Diferente dos Obstetras que atendem consultas pelos planos de saúde, as Parteiras possuem tempo disponível para conseguir dar um maior suporte para essa família.
Não estou com isso dizendo que a consulta da Parteira é melhor que a consulta do Obstetra, mas sim que cada um desempenha a sua função no que diz respeito ao cuidado com a gestação e com o parto. O pré-natal em parceria com as Parteiras e as Obstetras é capaz de trazer um olhar muito mais amplo para essa gestação e para essa família. Traz ganhos imensuráveis para todos. Esse modelo é adotado no SUS e também aqui na Commadre. Como a experiência nos mostra, todo o sistema só tem a ganhar com esse atendimento multidisciplinar, não centrado na figura do médico.
Vantagens de ser atuar em equipe
Muitos Obstetras atuam sozinhos e, no momento do atendimento ao parto, contam com o suporte da equipe do próprio hospital. Cada profissional adota o modelo de atendimento que melhor lhe cabe, mas nossa experiência mostra que profissionais que não atuam com equipe encontram menor disponibilidade para atender as mulheres em trabalho de parto.
Isso porque em um atendimento mutidisciplinar contamos com o apoio de toda uma equipe na avaliação da mulher, o que permite aos profissionais ter mais disponibilidade na dedicação às famílias atendidas, manter o atendimento em consultório (não precisar desmarcar a agenda com tanta frequência), investir em formação e pesquisa ou, ainda, lidar com suas questões pessoais, afinal, a saúde mental também impacta os profissionais que prestam assistência. Só é possível manejar horários se contamos com uma equipe parceira, trabalhando junto, compartilhando ideais e alinhada quanto aos procedimentos adotados.
Karina Fernandes Trevisan, é fundadora e sócia da Commadre e idealizadora do Curso O Poder do Partejar