Quando falamos de parto normal, automaticamente pensamos em dor e não é qualquer dor! É aquela dor insuportável, assustadora, que tanto dizem por aí, a tal da dor bíblica do castigo de Eva pelo pecado original! Uma dor desconhecida, que envolve também a vulnerabilidade do medo de algo não sair bem no processo, com o bebê ou com a mãe.
Mas, para se preparar para o parto normal, precisamos entender que a dor do trabalho de parto é uma dor de um processo! Um caminho, uma abertura, uma função fisiológica e espetacular do nosso corpo, de dilatar e expulsar o bebê, e que cada mulher terá uma percepção diferente dessa dor. O parto dói porque um órgão do nosso corpo (útero) está contraindo para empurrar o bebê pra fora.
Essa contração faz com que o colo do útero que passou a gestação toda bem fechadinho, vai dilatando, dilatando, até que o bebê consiga passar. A musculatura e os ligamentos que envolvem os ossos da pelve são estirados, a musculatura vaginal é estirada, e o corpo todo é embebido por hormônios específicoa que funcionam como uma orquestra, garantindo que o processo se complete! Assim como ninguém é igual, a dor também não é para todas. Precisamos ter clareza de que nossas vivências são individuais, só assim teremos respeito pela nossa dor e pela dor do outro.
Como é a dor do parto?
Diferente de uma cólica renal, por exemplo, a dor das contrações de parto é uma dor que passa: ela vem, tem um pico e vai embora. E quando ela vai, é como se não tivesse existido. São como ondas mesmo. Ter consciência disso, ajuda a passar pelo trabalho de parto de forma mais tranquila.
Já ouvi pessoas falando que a dor de parto é semelhante a não sei quantos ossos do corpo quebrando (300, acho). Sério, gente, eu queria saber quem foi a pessoa que passou por um trabalho de parto e teve 300 ossos do corpo quebrados para poder comparar as dores!! Não dá.
Como lidar com a dor do parto normal
A dor fisiológica do trabalho de parto é real, mas quando acolhida, quando bem cuidada, ela é apenas dor e conseguimos traçar estratégias para lidar com ela.
Quando temos a sensação de dor, nosso inconsciente pode nos levar a acessar situações de dores que vivemos na vida, como traumas ou situações de violência. Se em trabalho de parto não temos nossa dor acolhida, podemos associar a dor física à dor do abandono, de se sentir sozinha, de não ter apoio de ninguém. Essas são situações que podem sim gerar aumento da sensação de dor. Abaixo, listo mais algumas ações que podem aumentar a dor no parto:
- Múltiplos toques vaginais
- Insegurança e falta de confiança nos profissionais que estão atendendo ao parto
- Muita luz, muito barulho, falta de privacidade
- Intervenções como: uso indiscriminado de ocitocina, rompimento artificial da bolsa.
Apoio no parto é essencial
A dor de parto não fere, não mata e não machuca! Ela somente dói e quanto mais a gente conseguir preparar nossa cabeça para lidar com essa dor de uma maneira positiva, melhor será a experiência. A preparação mental para o parto com uso de técnicas de hipnose, mindfulness, afirmações positivas pode ser um ótimo caminho para se preparar. Ter um(a) companheiro(a) que esteja consciente do processo de nascimento e que apoie nossas decisões também é um grande facilitador nesse processo.
Além disso, ter profissionais que validem o que a mulher está sentindo, que possam blindá-la desse excesso de estímulos e de preocupações desnecessárias pode ajudar muito a se sentir segura e confiante para se entregar ao processo do parto.
Parteiras (Enfermeiras Obstetras) e Doulas presentes no parto são enormes diferenciais, além de suporte emocional, elas utilizam técnicas de alívio da dor como massagem, rebozo, posição de parto, descanso, chuveiro, banheira, aromaterapia, acupuntura, técnicas de respiração (..). Abaixo, explico a diferença entre elas:
Doula: oferece apoio emocional e amparo. No parto, é ela quem estará focada no bem-estar materno: se a mulher precisa descansar, se quer receber uma massagem, se precisa beber água ou se alimentar. Há estudos que mostram que a presença de Doula no parto diminui dor, reduz pedido de analgesia e indicação de cesárea.
Enfermeira Obstetra e Obstetra: as profissionais técnicas estão na cena de parto avaliando como está o bebê, as contrações, os sinais vitais maternos, a dilatação e descida do bebê pela pelve. São elas que pensam nas ações para ajudar o bebê a encaixar melhor na pelve materna, como está a evolução do trabalho de parto, e tudo mais que a mulher precisar no momento para vivenciar esse processo de uma maneira mais harmoniosa.
Aqui cabe destacar que parto não tem que ser sofrimento!! Não precisamos estar nesse lugar de vulnerabilidade, podemos estar com pessoas que olhem para a gente e cuidem das nossas individualidades!!
Posso usar anestesia no parto normal?
A analgesia no parto é uma alternativa super possível: todas as mulheres deveriam ter direito de escolha. Infelizmente algumas pessoas acham que quem deseja um parto normal humanizado não pode pedir analgesia. Isso é uma grande besteira, gente!
O que precisamos é entender que todas as nossas escolhas trazem riscos e benefícios, e com a analgesia de parto não é diferente. A experiência do anestesista para a aplicação e escolha da dose são fundamentais para evitar atrapalhar o trabalho de parto. E sempre precisamos lembrar que, mesmo quando bem aplicada, a analgesia pode ainda assim trazer complicações, como:
- Repercussões fetais (desaceleração dos batimentos) e maior dificuldade do bebê rodar e descer na pelve materna ( pela diminuição da mobilidade materna)
- A mulher pode perder a força nas pernas e e não conseguir mais se exercitar no parto, deixar de sentir os puxos (vontade de fazer força) atrapalhando o período expulsivo
- As contrações podem diminuir muito ou até parar, e ser necessário uso de ocitocina
- Sensação de mal estar, tontura, náusea, coceira, formigamento das pernas
Um bom anestesista é essencial para minimizar essas repercussões e ser assertivo na aplicação e conduçâo do processo.
Hoje é considerado o padrão ouro para o parto o uso de analgesia combinada (raqui + peridural) trazendo alívio pra dor das contrações, efeito prolongado (podendo ser mantida por várias horas) e diminuição da dor do expulsivo. Outra informação importante é que quem decide o momento da analgesia é a mulher! E ela pode ser feita mesmo com pouca ou nenhuma dilatação, se a dor estiver intensa. O que precisamos ter consciência é que a anestesia pode ocasionar efeitos adversos e não podemos dar garantias.
Não é melhor fazer uma cesárea e pronto?
Essa é uma pergunta frequente mas a verdade é: quem disse que cesárea também não tem dor, que não tem os complicadores e riscos? Aliás, na cesárea temos maior risco de danos maternos e fetais do que o parto normal. LEIA MAIS AQUI
Espero que esse conteúdo tenha esclarecido suas dúvidas e te auxiliado a sentir menos medo e se preparar para um parto normal seguro e transformador.
Texto: escrito por Karina Fernandes Trevisan, Parteira, Enfermeira Obstetra, Mestre e Doutora em Cuidados de Saúde
Foto: Cibele Barreto
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