Hoje já é um pouco mais fácil termos acesso à informação de qualidade e não perpetuarmos mitos como o de “uma vez cesárea, sempre cesárea”. A internet nos trouxe a possibilidade de acessar muito conteúdo ruim, como as fake News, por exemplo, mas também facilitou o acesso à pesquisa em fontes confiáveis, que atuam com base em evidências científicas. Basta saber procurar.
Bem, o mito da impossibilidade de um parto normal após uma ou mais cesáreas surgiu com base no pensamento de que se o corpo não funcionou na primeira vez, ele é falho, portanto, não funcionará em uma segunda ou terceira tentativa. Muitos profissionais médicos sustentam essa falácia alegando que, como esse útero já possui uma cicatriz, não pode passar por um parto normal após já ter sido cortado.
No entanto, hoje as evidências científicas mostram que é possível sim ter um parto normal após uma ou mais cesáreas. A taxa de sucesso para VBAC (sigla para Vaginal Birth After Cesarean ou parto vaginal após cesárea) é alta: com uma cesárea anterior temos uma taxa de 80, 90% de chance de a mulher conseguir um parto normal. Com duas cesáreas anteriores, a taxa de sucesso cai para 70%, mas permanece bem alta.
Riscos de um parto normal após cesárea
O primeiro dado importante a ser destacado é que, na maioria das situações, uma segunda cesárea vai acarretar mais riscos para a mulher do que uma tentativa de parto normal. A recomendação é que a mulher passe por uma prova de trabalho de parto para saber como o seu corpo vai lidar com o processo.
O intervalo recomendado entre a cesárea e a tentativa de parto normal é de 2 anos, porém muitas mulheres engravidam em intervalos menores, nesses casos, a equipe deve conversar com o casal, discutir os riscos e, juntos, tomar a melhor decisão.
O principal risco do parto normal após cesárea é a rotura uterina: mulheres que passaram por uma cesárea possuem uma cicatriz no útero, devido à ela a parede do útero pode ficar mais fragilizada e nesse local onde o tecido está mais frágil, há o risco do útero romper. A Chance de isso acontecer é de 02, a 0,5% em mulheres com uma cesárea anterior e de 1 a 2% no caso de duas cesáreas anteriores. Em um primeiro parto, o risco de rotura uterina é de 0.2%.
Ainda que seja um risco pequeno, ele existe, por isso é fundamental que a equipe que acompanha o trabalho de parto fique atenta aos sinais clínicos de rotura, e caso haja suspeita de uma rotura iminente a cesárea de emergência deve ser realizada. Vale ressaltar que a rotura algumas vezes pode acontecer de forma silenciosa, e quando ela acontece pode trazer graves consequências para a mãe e o bebê.
Quem não pode ter um parto normal após cesárea
– Mulheres que já tiveram uma tentativa anterior de parto normal e sofreram uma rotura uterina, tendo sido levadas a uma cesárea de emergência.
– Mulheres que passaram por uma cesárea anterior e tiveram a incisão da cesárea na vertical, o que acarretaria um aumento das chances de rotura uterina.
Mulheres com duas cesáreas anteriores podem ter parto normal?
O parto normal após duas cesáreas é chamado de VBA2C e no Brasil é raro uma vez que o Ministério da Saúde não recomenda a prática. Mulheres que são assistidas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e chegam ao pré-natal com duas cesáreas anteriores, são encaminhadas diretamente para o agendamento da terceira cesárea, como protocolo. A questão é que boa parte das equipes que oferecem assistência humanizada, como nós aqui da Commadre, apoiamos nossa assistência em evidências científicas e recomendações mundiais com relação às boas práticas no parto, não apenas na recomendação brasileira, que infelizmente segue defasada nesse e em muitos quesitos. O consenso na maioria dos estudos é de que optar por um VBA2C é uma decisão da mulher mediante informações detalhadas sobre riscos e benefícios.
Pode ter VBAC em casa?
Na maior parte dos países a recomendação é que o parto normal após cesárea aconteça em ambiente hospitalar, no entanto, aqui no Brasil, como não temos um protocolo unificado de atendimento ao parto domiciliar, essa decisão é individualizada. Há equipes que acompanham VBAC em casa e há outras que não se sentem seguras e não atendem. Tudo depende dos acordos feitos entre a equipe e o casal, sempre avaliando os riscos e pesando os prós e os contras de cada decisão.
Pode induzir o parto?
A única restrição absoluta de indução em mulheres com cesárea anterior é quanto ao uso de misopostrol. A ocitocina não tem contraindicação absoluta: seu uso aumenta os riscos de rotura mas o cuidado pode ser individualizado. Em caso de ser necessária a indução, nossa equipe, por exemplo, inicia com induções naturais (exercícios, acupuntura, homeopatia, óleo de ricino); Passamos para as induções mecânicas, como a passagem do balão (sonda que ajuda a preparar o colo do útero) e, caso ainda seja necessária uma ajudinha, fazemos uso da ocitocina mediante uma observação bem criteriosa da evolução do trabalho de parto.
Prepare sua mente
Se você deseja ter um parto normal após uma ou mais cesáreas, além de buscar uma equipe que esteja alinhada com o seu propósito, é importante cuidar da sua mente: quais são seus medos? O que pode dar errado? Como você está lidando, hoje, com a sua cesárea anterior? Após passar por uma cesárea que não havia indicação, muitas vezes a mulher fica com a sensação de que seu corpo falhou por não ter entrado em trabalho de parto, mas o fato é: será que seu corpo falhou mesmo ou não esperaram o tempo dele agir?
Olhar para sua experiência anterior pode ser essencial para que que aquela questão emocional não pese no momento do parto, métodos como o GentleBirth podem ajudar. Ter uma cesárea quando planejamos um parto normal é uma perda sim, é um luto, e é importante chorar a sua perda, vivenciar esse processo, acomodar no coração. Dizer para uma mulher que ela não tem o direito de estar triste pois seu bebê está bem e saudável é uma forma de violência, é invalidar o seu sentir. Cada parto e cada filho são muitos renascimentos. Por isso, cuidar do emocional e se conhecer é parte fundamental do processo de gestar e parir.
Thais Rodrigues Bernardo é Enfermeira Obstetra, Parteira e idealizadora do Curso Parto sem Neura.
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