Antes de entrar no assunto amamentação, preciso lembrar que existe ainda muito tabu em relação à adoção no Brasil. Somos um País que acolhe pouco as famílias que escolhem a adoção como via de parentalidade, mesmo sendo tantas: há aproximadamente 36 mil famílias habilitadas no processo de adoção no Sistema Nacional de Adoção; Nos últimos 3 anos 6 mil famílias adotaram crianças e temos cerca de 5 mil crianças aptas ao processo. São números muito expressivos!
Vale destacar que os dados se referem à adoção legal, feita via Vara da Infância e Juventude. Vivemos em um País absurdamente desigual, e, infelizmente, em pleno 2020, ainda vemos muitos casos de adoção ilegal, no qual famílias em situação de vulnerabilidade são induzidas a entregar seus filhos com a promessa de lhes ser oferecido melhores condições de vida, além de troca de crianças por dinheiro ou até mesmo alimento.
Resguardados os casos de adoção ilegal – no qual se tem acesso à família de origem e é possível saber exatamente quando a criança chegará, se falamos de um processo de adoção por via legal, não temos como saber quando isso acontecerá. Isso porque a família passa por um processo de avaliação, informa a faixa etária da criança que gostaria de adotar e entra em uma fila de espera. De um dia para o outro, o telefone toca e a criança chega. Por mais desejada que seja essa chegada, ela acontece de forma repentina.
Lactação induzida: como funciona?
Adentrando o processo de amamentação, cabe dizer que, para que funcione a criança precisa chegar à essa família até os 6 meses de vida. A mulher que deseja amamentar passa por um protocolo de lactação induzida que pode levar até 6 meses para ser concluído. Esse protocolo exige tempo, disponibilidade e ações contínuas. É o mesmo protocolo adotado por casais homoafetivos de mulheres nos quais ambas tenham o desejo de amamentar. No caso dos casais homoafetivos que gestam, sabe-se quando a criança chegará, já no caso da adoção, não é possível saber quando isso ocorrerá, sendo assim, nem sempre há tempo hábil para essa preparação.
Induzir a lactação não é garantia de que você irá amamentar. Se uma Consultora de Amamentação ou seu Pediatra disser que é só colocar o seio na boca do bebê, desconfie e fuja!! Amamentar é um processo hormonal: cada pessoa é única e cada corpo vai reagir a uma forma ao protocolo de lactação. Não existem certezas.
Cabe lembrar também que a criança (exceto em casos em que ela tenha sido entregue para adoção ainda na maternidade) pode vir para essa família já usando bico artificial, mamadeira, chupeta (…) o que pode ocasionar a chamada confusão de bicos, atrapalhando a amamentação.
É preciso lembrar ainda que o processo de adoção costuma ser permeado por muita ansiedade, expectativa e todas as emoções que são afloradas com a chegada e a adaptação desse novo integrante à família. Portanto, o processo de lactação precisa de muito apoio, ajuda e combinados.
Por quê você deseja amamentar?
Gosto sempre de conversar com as famílias adotivas que chegam até mim, e expõem o desejo de amamentar, com algumas perguntas que considero que são cruciais no processo de construção dessa reflexão. Qual o motivo de induzir a lactação? O que é a amamentação para você? Você foi amamentado? A amamentação é importante pra você ou para o seu bebê? Como a sua rede apoia essa dinâmica?
Quais serão os custos psicológicos, emocionais, as mudanças na rotina? Haverá pressão pessoal ou familiar para que dê certo? Quão fortalecida você está? Amamentar é uma forma de legitimar a sua maternidade? Já ouvi muitas mães dizerem: – “Eu não gerei, mas pelo menos eu amamentei”. Não podemos reduzir a maternidade a parir e amamentar! A maternidade não é garantia de algo!
“Ah, mas eu preciso cobrir todas as faltas desse bebê”. Precisa? A criança tem sua história e deve ser respeitada. Ela já vivenciou uma falta, já sofreu uma ruptura. Essa é a história dela. Agora, vocês construirão novos vínculos juntos, mas não poderão anular os vínculos que ela já teve. É possível curar essas rupturas de forma gentil, com amor e paciência.
“Ah, mas a amamentação é uma forma mágica de conexão”. Sim, ela é, mas existem outras formas de promover esse vínculo: faça contato pele a pele, tomem banho juntos, dê colo! A pele também alimenta, o toque, o olho no olho, o estar ali. Oferecer a mamadeira de forma presente, com atenção plena, pode ser vínculo também. Mães adotivas podem amamentar? Podem! Mas o meu convite é para que entendamos que cada mãe é uma, que cada filho, seja adotivo ou biológico, é um. Precisamos olhar para a saúde dessa criança e dessa mãe de forma integral. Como disse a Doula de parto Aline Flores em uma live recente que fizemos sobre o assunto no Instagram da Commadre: “Para ser mãe precisa existir!”. É isso!
Mayra Aiello , Psicóloga , Doula de Adoção e mãe da Maria Vitoria que chegou pela via da adoção